Depressão como consequência da racionalidade e os caminhos
para amenizá-la
Diferentemente
dos demais animais direcionados por instintos absolutos, que orientam e
determinam seu agir e querer, o ser humano pensa sobre si mesmo, valida ou
invalida seus instintos e pondera sobre a realidade concreta e o mundo
possível. Esse ser distinto, não controlado pelas determinações instintivas,
desenvolve desejos, estabelece metas; anseia. Esse ser pensa. Apesar da
influência social, seu pensamento não se limita às determinações psíquicas de
sua espécie ou de sua raça. O homem, como indivíduo dotado de liberdade,
curiosidade, criatividade e desejo, almeja relações ou coisas a partir de sua
subjetividade, de sua interioridade, amiúde, independente de quaisquer convenções
coletivas ou influências sociais diretas. O indivíduo humano processa suas
experiências existenciais interpretando-as. Tal interpretação nem sempre se dá
com a clareza racional, regularmente se realiza amalgamada com emoções. Sendo
de tal forma distinto, o animal humano sofre, pois, em sua subjetividade, se
fazendo um "eu" não aderido ao coletivo, não se satisfaz com as convenções, não se
contenta com o estabelecido, em sua peculiaridade de “ser um si mesmo”, em suas
aspirações únicas, singulares, percebe-se deslocado.
As
intrínsecas e peculiares características do homem fazem dele um ser com
potencial à depressão. De acordo com o site Biblioteca Virtual em Saúde:
A
depressão é uma doença que se caracteriza por um período mínimo de duas semanas
em que a pessoa se sente triste, melancólica ou “para baixo”, com sensações de
aperto no peito (angústia), inquietação (ansiedade), desânimo e falta de
energia. O indivíduo permanece apático, perde a motivação, acha tudo sem graça
ou sem sentido, torna-se pessimista e preocupado. Tal estado afeta o organismo
como um todo e compromete o sono, o apetite e a disposição física.[1]
Um
ser que pensa por si, que estabelece ideias sobre o bem e o mau, sobre o
adequado e o inadequado, sobre o ideal e o imperfeito, a partir de sua
interpretação da realidade estabelece expectativas sobre sua vida, essa
expectação se faz um dos fatores de maior potencial para o desenvolvimento da
depressão. Um ser que almeja, é em potencial um ser que se frustra. Um sujeito
que avalia, em potencial, não é apenas alguém que qualifica o outro, o objeto
externo, mas um indivíduo que tende a cobrar-se. Uma pessoa que idealiza a
realidade a partir de um quadro comparativo, tem uma forte tendência a se
entristecer por perceber que sua vida ou o seu ser não alcançam o nível ou o
status do objeto ou de uma condição existencial eleitos como adequados.
O
Livro Sacro dos judeus, chamado de Antigo Testamento pelos cristãos, expõe a
fragilidade emocional desse ser que desenvolve expectativas, se frustrando com
o não estabelecimento daquilo que considera assaz importante, mesmo tendo, em
sua literatura, vários desses homens considerados heróis. Em uma explícita
situação de melancolia, um dos traços marcantes da depressão, o livro de
juízes, pertencente à coleção bíblica judaico-cristã, apresenta Gideão, um dos
notáveis homens da Bíblia, frustrado com Deus, pois sua crença e esperança em
uma divindade intervencionista a favor de seu povo, em prol de sua nação, não
se concretizou. A partir da fala de um mensageiro, de que Deus era com ele, o
herói frustrado com a não concretização de sua expectativa, em estado
depressivo, responde: “se o Senhor está conosco, por que
aconteceu tudo isso? Onde estão todas as suas maravilhas que os nossos pais nos
contam quando dizem: ‘Não foi o Senhor que nos tirou do Egito?’ Mas agora o
Senhor nos abandonou e nos entregou nas mãos de Midiã”.[2]
Na
passagem em destaque, o estado de prostração e de pessimismo de Gideão é de
fácil identificação. O homem e mulher, que mentalmente estipula situações
corretas ou incorretas, favoráveis ou desfavoráveis, justas ou injustas, ao se
deparar com o que ele ou ela entende como realização negativa, como quadro adverso,
entra no estado melancólico, de acentuado pessimismo, ao qual chamamos de
depressão. Ainda envolvido no mesmo diálogo com o mensageiro de Deus, que afirma
que seu Senhor estaria com ele na missão de libertar o seu povo da opressão
introduzida pelos inimigos midianitas, o depressivo Gideão continua em tom de
descrença: “Ah, Senhor", respondeu Gideão, "como posso
libertar Israel? Meu clã é o menos importante de Manassés, e eu sou o menor da
minha família”.[3]
Essa nova resposta revela a baixa autoestima, sentimento negativo sobre si
mesmo, que impede de o indivíduo perceber em si qualidades ou potencialidades,
um dos sintomas de alguém que está em depressão ou a desenvolvê-la.
A
filosofia estoica apresenta duas virtudes que ajudam a proteger o ser humano da
depressão. A aphateia, ou ausência de paixões e a resignação, isto é,
aceitação ao inexorável, ao que não pode ser mudado, ao inevitável. Quanto menos paixão pelas coisas, mais
desapegados somos, menos sofremos, porque menos esperamos, assim, nutrimos
menos expectativas. Ademais, se somos resignados sofremos menos porque
aprendemos a aceitar o já estabelecido em nossas vidas ou em nossa realidade.
Aprendemos aceitar o que não depende de nossos esforços para ser evitado.
Porém, a proposta estoica não elimina a pergunta: como alcançar as destacadas
virtudes? Está em nosso poder alcançá-las. O nosso desejo de alcançar a
resignação ou a aphateia garante a sua realização?
O
cristianismo antigo apresenta direções que, apesar de não invalidar a proposta
estoica, apresenta um outro sentido para o apaziguamento da alma: “Eu
disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão
aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo”.[4] Se é um fato de que na
existência somos confrontados com a dureza do mundo, afrontamento esse que pode
nos levar à depressão, sob outra perspectiva, podemos olhar para o triunfo de Jesus
como inspiração, e inspirados nele temos a força suficiente para triunfar,
vencendo as aflições que, por vezes, nos esmorecem. Em Cristo temos a certeza
de que firmados em seu triunfo, também podemos triunfar. O salmista Davi, em um
dos salmos mais belos, poetiza:
O
SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.
Deitar-me
faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranquilas.
Refrigera a
minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda
que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu
estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. [...]
Certamente
que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e
habitarei na casa do Senhor por longos dias.
Essa
bela poesia apresenta o estado de paz vivenciado por um indivíduo que, apesar
de passar por situações difíceis e extremas, revela a segurança e conforto de
alguém que nutre uma relação com Deus.
A razão e a criticidade são fundamentais para o desenvolvimento do homem, sem essas ferramentas racionais, seguramente estaríamos em um estágio intelectual primitivo, porém, como diz Jesus, nem só de pão vive o homem. É indubitável que a praticidade e a racionalidade da vida objetiva são muito importantes para o desenvolvimento do homem, para o seu aperfeiçoamento, para o estabelecimento de estruturas que possibilitaram maior conforto para a vida, porém, o aspecto prático e objetivo não esgotam a vida humana e as necessidades do homem. A ciência, a psicologia e as disciplinas humanas como a filosofia e a sociologia, apresentam importantes reflexões para o problema da depressão, ponderações que devem ser seriamente consideradas. Porém, os problemas do homem e da mulher também podem ser abordados por outros prismas. Todo cristão assume que o homem em sua integralidade é uno em corpo e alma. Com essa múltipla dimensão de una composição, o cristianismo aponta outras respostas para a angústia do homem, e nessa resposta apresenta a necessidade de o indivíduo humano se relacionar com o transcendente, com Deus. Nessa relação ele pode encontrar um novo sentido para a sua existência, diminuindo a ansiedade promovida pelo desejo exacerbado de pertencimento, de satisfação estética, de aceitação social ou mesmo de um individualista desejo de justiça limitado pelo egocêntrico desejo de autossatisfação, que não contempla a profundidade da justiça ideal. Em Cristo, vencer o mundo é o estabelecimento do triunfo sobre o que é danoso ao ser humano. A depressão é um dano ao ser humano. Todo homem e toda mulher devem se sentir convidados a buscar a cura em Cristo e em sua palavra inspiradora que promove vida, pois essa angústia pode ser apaziguada pela fé, pela relação do homem com Deus.
07/07/22
[1] MORENO, Ricardo. Temas em psiquiatria. IPq HCFMUSP, 2016. Disponível em: http://neurociencias.org.br/temas-em-psiquiatria/. Acesso em: 07 jul. 2022.
[2] BÍBLIA ONLINE. Juízes 6:13. Disponível em:
https://www.bibliaonline.com.br/nvi/jz/6/. Acesso em: 07 jul. 2022.
[3] BÍBLIA ONLINE. Juízes 6:15.
Disponível
em: https://www.bibliaonline.com.br/nvi/jz/6/. Acesso em: 07 jul. 2022.
Prof. Lailson, seu texto é um aula pedagógica e nos provoca à reflexão. Maravilhoso!
ResponderExcluirPrezada Ane,
ExcluirAgradeço por seu comentário sobre a exposição do texto do prof. Lailson, que, de fato, são claros e coesos. Aproveito para lembrar que, desejando interagir com ele e/ou conhecer melhor suas exposições, você poderá acessar seus materiais através dos links disponíveis. Um abraço
Para corroborar com esse belíssimo texto, postarei um belo e esclarecedor poema no qual o eu lírico fala sobre o sentimento de uma pessoa em depressão:
ResponderExcluirINFORTÚNIO
Correntes marítimas
Inundam minha vida.
Iceberg invade o meu mar
Congelando a minha alma
Paralisando o meu ser.
O astro centro do meu planeta,
Densas trevas ofuscam sua luz.
Seus raios cintilantes, aquecedor
Escuras nuvens os encobrem.
Ventos congelantes invadem meu planeta!
Entre lágrimasa e soluços
Pranteio a minha sorte.
Busco explicação que a mim é velada;
Os mistérios da vida a ninguém se
descobre.
Estou em queda livre...
Aonde segurar-me em plena descida?
Só os teus braços, Jesus
Podem me amparar,
Aquecer a minha alma,
Agasalhar o meu coração.
Liliane Castanha
27/06/2015