segunda-feira, 17 de agosto de 2015

DUVIDAR É PRECISO: SÓ SEI QUE NADA SEI!"



Millôr Fernandes, arguto inquiridor das aparentes obviedades, tem frase que nos provoca a reflexão: “Se você não tem dúvidas é porque está mal-informado”.
O impacto da frase vem da nossa percepção usual (muitas vezes equivocada) de que a presença da dúvida é caminho para a ignorância; quando, especialmente em Ciências, é quando ela se apresenta que começamos a abandonar o desconhecido.
Cautela com gente que não tem dúvidas! Gente assim não inova, não avança, não cria; só repete e redunda. Claro que não podemos ser alguém que só tem dúvidas, pois se assim for qualquer ação e intervenção fica impossibilitada; no entanto, não ter algumas delas em alguns momentos é sinal de tolice e reducionismo mental.
A ciência só renova quando seus praticantes são capazes de colocar sob suspeita algumas das certezas às quais não expomos. Será que isto é assim mesmo? Será que não há outro modo de fazer? Será que isto não resulta mais de hábito do que de verdade? Será que aceito o argumento pela autoridade que o proclama em vez de buscar os fundamentos da veracidade do proclamador? Será?
Os “serás”, quando metódicos e  sistemáticos, ajudam-nos a dar vigor às certezas e conhecimentos que nossas teorias e práticas devem ter; em todas as situações nas quais não admitimos a presença de indagações e questionamentos, aproximamo-nos do dogmatismo, e este sempre foi o principal veículo de degradação do saber científico.
Um pessoa inteligente, com humildade e sabedoria, é aquela que consolida as certezas do que deve fazer a partir da capacidade de não supor que estas são imutáveis e invulneráveis. Afinal, sabemos, a melhor maneira de ficar vulnerável é pensar-se como invulnerável...
Em 399 a.C., em Atenas, Sócrates foi condenado ao suicídio, acusado de desprezo aos deuses do Estado; sua defesa frente ao tribunal, registrada por Platão no diálogo Apologia de Sócrates, inclui, logo no início, uma profunda reflexão sobre a sabedoria humana.
Como alguns amigos afirmavam que o oráculo de Delfos houvera dito que Sócrates era o mais sábio dos homens – e isso compôs parte da acusação -, o filósofo rebate a soberba de um adversário dizendo que “Aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber”.
A ideia é bastante inteligente e complexa e, mesmo resumido no clássico: “Só sei que nada sei”, permanece demonstrando sabedoria. É evidente que Sócrates não está afirmando que nada sabia no sentido literal, mas, isso sim, que nada sabia por completo, exceto o conhecimento que tinha sobre as suas próprias ignorâncias.
Poderíamos chamar esta postura – saber que não se sabe tudo, o tempo todo, de todos os modos – de “sábia ignorância”, ou, como denominada em obra de Nicolau de Cusa no século XV (antecipando a dúvida metódica de Descartes), a douta ignorância.
Ainda vale! A consciência dos nossos desconhecimentos e, portanto, a procura incessante por uma formação continuada, não é só sinal de necessária humildade; é, antes de tudo, poderoso antídoto às eventuais arrogâncias que vitimam mais os seus praticantes do que certos algozes involuntários.
Um poço de ignorância? Precisamos, vez ou outra, entender a máxima popular, e citá-la de novo: “Quando estiver no fundo do poço, a primeira coisa a fazer para sair dele é parar de cavar”.
Saber e admitir que não sabe interrompe a escavação...



Mário Sérgio Cortella.

(Extraído do livro Não se desespere! – provocações filosóficas).


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