segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

PALAVRA DO ESPECIALISTA

 CRIANÇA TAMBÉM PECA E PRECISA CONHECER O EVANGELHO 

https://www.atividadesbiblicas.com

  Hugo Monteiro Ferreira, autor do livro “A geração do quarto”, observa que “Na história da humanidade, as crianças sempre foram tratadas como pessoas sem muita importância, sem valor individual e coletivo”. Ele também apoia seu argumento fazendo citação de um trecho do livro de Philippe Ariés, no qual ele diz o seguinte: “... Até o fim do século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido (...)” . Ariés ainda afirma que essa recusada valorização da criança acontece na maioria das civilizações tradicionais (Ferreira, 2022, p.25)

 Ferreira fala sobre os adolescentes e crianças de nossa época que sofrem caladas ou exteriorizam as suas dores por meio da automutilação ou de outras formas de violência contra si ou contra os outros, porque, geralmente, não têm espaço para conversar com os pais, que vivem sem tempo, e cuja criação é terceirizada. Essa geração, a qual denomina de geração do quarto  “se sente abandonada dentro de casa, se sente sozinha, descuidada, negligenciada e rejeitada, incapaz de enfrentar os vários e inúmeros momentos da vida cotidiana.” (p. 24).

 Com base nas pesquisas de Hugo Ferreira, percebemos a desvalorização da criança e do adolescente na era atual. Eles são desprezados, tanto pela sociedade que os vê como alguém que nada agrega para a vida coletiva, como também pelos próprios pais, os quais não percebem que seus filhos são dotados de sentimentos e emoções e também possuem uma alma. Além disso, se esquecem que as crianças e os adolescentes são capazes de aprender e responder a tudo o que recebe do mundo, no âmbito particular e coletivo. Por isso, é dever dos pais e responsáveis ensiná-los a serem "coadores" e não "esponjas", isto é, a filtrar o que entra em seus corações, ao invés de absorverem tudo que lhes é exposto na vida.

 Tendo isso em mente, é necessário que se compreenda a criança como um ser integral, que, embora em formação, é capaz de compreender o que lhe comunicam, desde que seu interlocutor saiba se comunicar de forma simples, fazendo uso de meios que facilitem seu entendimento, e que, da mesma forma, também são capazes de sentir emoções positivas e negativas (tristeza, alegria, saudade, etc.). 

No entanto, percebe-se que essa concepção da criança como ser incompleto, incapaz de raciocinar, também tem encontrado apoio dos líderes e professores de escolas bíblicas, desde há muito tempo. Isso pode ser observado em  cultos e Escolas Dominicais nos quais as crianças são vistas como intrusas e empecilhos para o bom desempenho dos trabalhos; em E.B.Ds, os professores de crianças se limitam a ensinar valores morais, histórias bíblicas e versículos cuidadosamente selecionados, com a finalidade única de memorização, bem como a utilização de músicas com o propósito de divertir e distrair o público infantil, enquanto seus responsáveis estão cultuando ou aprendendo a Palavra de Deus.

 Porém a Bíblia está cheia de histórias de crianças que foram usadas por Deus e que compreendiam as verdades espirituais: Samuel, a menina da casa de Naamã, João Batista (que foi criado para ser o precursor de Cristo), o próprio jesus (que com apenas 12 anos de idade ensinou os mestres de seu tempo), Timóteo (que desde a infância conhecia as Sagradas Escrituras), Moisés (que já cresceu com o desejo de realizar a missão de libertar o povo de Deus), José (que foi vendido ainda muito novo, mas exaltou ao Senhor em seus feitos), enfim.  

Do mesmo modo, há crianças que desde tenra idade, são usadas por Satanás. Dentre alguns exemplos que vemos na Bíblia, encontramos a narrativa de Mc 9.17-21, na qual um pai levou seu filho a Jesus para ser liberto de um espírito mudo-surdo, e, ao ser questionado por Cristo sobre o tempo em que o garoto vivia naquele estado, o pai lhe respondeu que isso acontecia desde a infância, e que a intenção do demônio era matá-lo (grifo meu).

Por isso, tendo clara a compreensão do pecado como uma realidade que atinge também as crianças, e que o Inimigo pode se servir delas, com maior ou menor intensidade, Spurgeon critica os professores de Escola Dominical que escolhem quais doutrinas bíblicas devem ensinar aos pequenos, sob pretexto de que eles não são capazes de entender tudo. Contrariando tais pensamentos, o “Príncipe do Pregadores” diz: “Tudo o que o Senhor revelou deve ser ensinado (...). Sustento que não há doutrina da Palavra de Deus que uma criança, se for capaz de ser salva, não possa ser capaz de receber”. Além disso, o citado autor declara que as coisas que se referem à salvação são muito simples, de modo que nenhuma criança precisa se desesperar por não entendê-las (Spurgeon, 2004, pp.48, 97).

O apóstolo Paulo corrobora com esse pensamento, de modo que diz em sua carta aos romanos que o Evangelho de Cristo "é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê" (1.16). Portanto, se negligenciarmos as boas novas do Evangelho às crianças, estamos impedindo a salvação delas. Brincadeiras, jogos, músicas, filmes, são meios para se pregar o Evangelho, e de maneira nenhuma deve ser um fim em si mesmos.

O próprio Deus ordenou ao povo de Israel  ensinar os seus filhos em todo o tempo e em qualquer lugar, ensinando-lhes e conversando com eles sobre os preceitos que o Senhor lhes havia ordenado (Dt 6.6,7-grifo meu). Do mesmo modo, em Pv 22.6, o sábio Salomão admoesta ensinar a criança no caminho em que deve andar. Isso pressupõe que ela é apta a aprender.

Enquanto a Igreja minimizar a situação da criança, negando-lhes o conhecimento integral da Palavra de Deus, o Inimigo não vai parar em suas tentativas de lhes tirar a vida. Pois se há algo de puro na criança, de certo ele despreza, visto que tudo que provém do Adversário é impuro. Daí a necessidade de intervirmos enquanto Igreja para que ele não contamine as criancinhas, atraindo-as para o que lhe é próprio.

Spurgeon, em seu livro “Pescadores de Crianças”, insiste em dizer que ao semear a Palavra de Deus no coração de uma criança, não se está semeando em uma terra virgem, pois há muito tempo aquele coraçãozinho já foi ocupado pelo diabo. Sob essa alegação, o citado autor defende que, apesar de também possuir pecado, o coração da criança é um solo mais fértil, isto é, ele frutificará muito melhor do que quando for adulta (2004, p,91).

 Há pessoas que acreditam que crianças não têm pecados nem são oprimidas, que suas atitudes subversivas não passam de birra ou rebeldia infanto-juvenil. Todavia, contrário a esse pensamento, há milhares de crianças oprimidas, prestes a tirar a própria vida, e esperando por  alguém que as ajude a se libertarem de sua dor. Um exemplo disso é o depoimento de uma criança de 13 anos, que confidenciou o seguinte relato a Ferreira:

“Na minha sala na escola, tem mais além de mim. A gente formou  um grupo e, nas quartas-feiras, a gente se corta e, depois, a gente chora junto e, depois, a gente lista o que deve ser feito primeiro, se queimar a mão ou usar a corda no pescoço. Mas ninguém fala, é claro! Você pode ajudar?” (2020, p. 16 - grifo meu).

 Apesar da pouca idade dessas crianças, segundo a observação de Hugo Monteiro Ferreira, “seria próprio afirmar que a geração do quarto apresenta no corpo a dor que lhe acomete a alma”. Ou seja, elas tentam exteriorizar sua dor de formas diferentes, como, por exemplo, através de tatuagens, mutilação do corpo, falta de asseio, atitudes violentas contra si mesmo ou contra outros. E o pior, afirmo com pesar, que a maioria de nós, que fazemos parte da  Igreja de Cristo,  não estamos levando isso a sério. Ou, como acrescentou Ferreira, há uma tentativa dos responsáveis de minimizar ou ficar indiferentes, pois é mais cômodo do que se perguntarem "o que devemos fazer?" (Ferreira, 2022, p. 110). Cada um com a sua responsabilidade, decerto, porém a Igreja tem o dever de ir socorrer essas almas, uma vez que só no poder do nome de Jesus podem ser libertas da opressão do Inimigo.

 Ter a certeza de que a criança também precisa de salvação e de libertação é fundamental para se compreender a necessidade urgente de apresentar Jesus a elas, de maneira séria, mas lúdica, de forma firme, mas carinhosa, pregando a Bíblia em sua totalidade, mas na simplicidade da linguagem infantil (não significa que tem que se falar imitando voz de criança, mas de maneira que ela entenda suas palavras). Inclusive, a crianças que nasceram em berço cristão também precisa receber a Cristo como seu Senhor, pois, conforme Spurgeon alerta, temos que tomar cuidado para não aceitarmos a ideia judaica de que o nascimento traz consigo privilégios da aliança (Spurgeon, 2004, p.22)

 O autor supracitado também salienta que é importante tratar a criança como criança, e não querer que se comportem como adultos, como alguns cristãos fazem. Ele conta que uma vez estava brincando com algumas delas no playground (parque infantil) e uma pessoa lhe chamou atenção por estar se divertindo com os meninos, alegando que como homem de Deus isso não seria coerente. Spurgeon, porém,  respondeu àquele homem que, como tinha a responsabilidade de levar aquelas crianças para os bancos da igreja, também era sua obrigação participar dos passatempos delas. O que Spurgeon queria dizer, conforme ele mesmo explica, era o seguinte: “Faça com que o amem, e então aprenderão qualquer coisa com você” (p.83). Lembre-se, a criança é um ser em formação, mas ainda assim é um ser integral, logo, ela possui sua dimensão física, espiritual e sentimental. E todas devem ser observadas.

 Spurgeon aconselha os cristãos que trabalham com o ministério infantil a usarem de estratégias para atrair os pequeninos. E, para os que, porventura, criticam a evangelização de crianças e adolescentes, sob a alegação de que serão influenciados sem capacidade cognitiva para escolherem a sua fé, saiba que o diabo não se importa com isso, antes, se aproveita da ingenuidade infantil, e investe com todas as suas armas para levá-las para si. Quanto a isso, a opinião de Spurgeon é clara: “TUDO É JUSTO NA GUERRA CONTRA O DIABO” (P.83)

  Afinal, nosso Mestre nos advertiu a não impedir que as criancinhas se cheguem a ele, pois “delas é o Reino dos Céus” (Mt 19.14). E não lhes contar essa boa nova é impedi-las de tomar o seu lugar no colo do Salvador.

     

BIBLIOGRAFIA

BREWSTER, Dan. A criança, a Igreja e a missão. Viçosa, Minas Gerais: Ultimato, 2015

FERREIRA,  Hugo Monteiro. A geração do quarto. Rio de Janeiro: Record, 2022

SPURGEON, C.H. Pescadores de crianças: orientação prática para falar de Jesus às crianças. São Paulo: Shedd Publicações, 2004

Bíblia - versão NVI


      Professora  Leila Castanha 

      

Graduada em Letras, Pedagogia, Bacharel em Teologia, pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura no contexto educacional, pós-graduanda em Teologia e Pensamento Religioso, pós-graduanda em Literatura Brasileira no Contexto da Literatura Universal . 

Atua como professora de Língua Portuguesa, Língua Inglesa (anos iniciais do ensino fundamental) e Ensino Religioso, em São Paulo - SP 

  

 


Em seus passos: estudos bíblicos

Ponderações da alma: crônicas e poemas