OS ARMINIANOS TAMBÉM CREEM QUE A SALVAÇÃO É UM ATO DA GRAÇA DE DEUS, E NÃO É MÉRITO DO SER HUMANO.
UMA BREVE VISÃO DA TEOLOGIA ARMINIANA
imagem extraída de https://www.cursobiblicoonline.com.br
Um dos mais prevalecentes mitos
difundidos por alguns calvinistas sobre o Arminianismo é que ele é o tipo de
teologia mais popular nos púlpitos e bancos evangélicos. Minha experiência
contradiz essa crença. Depende muito de como consideramos a teologia arminiana.
Os críticos calvinistas estariam corretos se o Arminianismo fosse o
Semipelagianismo. Mas ele não é, como espero mostrar. O evangelho pregado e a
doutrina da salvação ensinada na maioria dos púlpitos e tribunas evangélicos, e
crido na maioria dos assentos de igrejas evangélicas, não é o Arminianismo
clássico, mas o Semipelagianismo, se não um completo Pelagianismo. Qual é a
diferença? O teólogo H. Orton Wiley, da Igreja do Nazareno, corretamente define
o Semipelagianismo dizendo, “Ele sustentava que restou poder suficiente na
vontade depravada para dar o primeiro passo em direção à salvação, mas não o
suficiente para completá-la. Isso deve ser feito pela graça divina.”[1] Esta antiga heresia tem origem
nos ensinos dos assim chamados massilianos, liderados principalmente por João
Cassiano (m. 433 d.C), que tentou construir uma ponte entre o Pelagianismo, que
negava o pecado original, e Agostinho, que defendia a eleição incondicional
sobre o fundamento de que todos os descendentes de Adão nascem espiritualmente
mortos e culpados do pecado de Adão. Cassiano acreditava que as pessoas são
capazes de se voltarem para Deus mesmo à parte de qualquer infusão da graça
sobrenatural. Isto foi condenado pelo Segundo Concílio de Orange em 529 (sem
endossar a extrema doutrina agostiniana da predestinação).
O Semipelagianismo tornou-se a teologia
popular da Igreja Católica Romana nos séculos que antecederam a Reforma
Protestante. Ele foi completamente rejeitado por todos os reformadores, exceto
os assim chamados racionalistas ou antitrinitarianos, tais como Fausto Socinus.
Alguns calvinistas adotaram a prática de se referir a toda teologia que ficou
aquém do Calvinismo rígido (TULIP) como semipelagiana. Isto, no entanto, está
incorreto. Hoje em dia, o Semipelagianismo é a teologia padrão da maioria dos
cristãos evangélicos americanos.[2] Podemos comprovar isto na
popularidade de clichês como “Se você der um passo em direção a Deus, ele fará
o resto do caminho em direção a você,” e “Deus vota em você, Satanás
vota contra você, e você tem o voto decisivo,” juntamente com a negligência
quase total da depravação humana e da incapacidade nas questões espirituais.
O Arminianismo é quase totalmente
desconhecido, e menos ainda crido, no cristianismo evangélico popular. Um dos
propósitos deste livro é superar este déficit. Um mito predominante sobre o
Arminianismo é que a teologia arminiana é equivalente ao Semipelagianismo. Isto
será contestado no processo de refutação de vários outros mitos que tratam da
condição humana e da salvação. Isto é apenas uma antecipação do ponto de vista
arminiano que será mais para frente exposto.
Em primeiro lugar, é importante
compreender que o Arminianismo não tem uma doutrina ou ponto de vista
específico sobre tudo no Cristianismo. Não há nenhuma doutrina arminiana
especial das Escrituras. Os arminianos do coração – os arminianos evangélicos –
acreditam nas Escrituras e têm a mesma gama de opiniões sobre os seus detalhes
como os calvinistas. Alguns arminianos acreditam na inerrância bíblica e outros
não. Todos os arminianos evangélicos estão comprometidos com a
inspiração sobrenatural da Bíblia e sua autoridade sobre todos os assuntos de
fé e prática. Da mesma forma, não há uma eclesiologia ou escatologia arminiana
distintiva; os arminianos refletem o mesmo espectro de interpretações que os
outros cristãos. Um mito popular promovido por alguns calvinistas é que todos
os teólogos arminianos aceitam a teoria governamental da expiação e rejeitam a
teoria da substituição penal. Isso é simplesmente falso. Os arminianos
acreditam na Trindade, na divindade e humanidade de Jesus Cristo, na depravação
da humanidade devido à Queda primitiva, na salvação pela graça somente através
da fé somente, e em todas as outras crenças protestantes essenciais. A justificação
como justiça imputada é afirmada pelos arminianos clássicos seguindo o próprio
Arminius. As doutrinas distintivas do Arminianismo têm a ver com a soberania de
Deus sobre a história e a salvação; a providência e a predestinação são as duas
doutrinas chave onde os arminianos se separam dos calvinistas clássicos.
Não há melhor ponto de partida para
examinar as questões da providência e predestinação que a própria
Remonstrância. Ela é o documento fundamental do Arminianismo clássico (além dos
escritos de Arminius). A Remonstrância foi preparada por mais ou menos 43 (o
número exato é debatido) pastores e teólogos reformados holandeses após a morte
de Arminius em 1609. O documento foi apresentado em 1610 para uma conferência
de líderes da igreja e do estado em Gouda, Holanda, para explicar a doutrina
arminiana. Ele foca principalmente nas questões da salvação e especialmente a
predestinação. Várias versões da Remonstrância (da qual os remonstrantes
receberam o seu nome) existem. Iremos usar uma tradução para o inglês do
original em latim apresentada de forma um tanto condensada pelo estudioso
inglês do Arminianismo A. W. Harrison:
1. Que Deus, por um decreto eterno e imutável em
Cristo antes da fundação do mundo, determinou eleger, da raça caída e pecadora,
para a vida eterna, aqueles que, através de Sua graça, creem em Jesus Cristo e
perseveram na fé e obediência; e, ao contrário, resolveu rejeitar os não
convertidos e os descrentes para a condenação eterna (Jo 3.36).
2. Que, em consequência disto, Cristo, o Salvador
do mundo, morreu por todo e cada homem, de modo que Ele obteve, pela morte na
cruz, reconciliação e perdão pelo pecado por todos os homens; de tal maneira,
porém, que ninguém senão os fiéis verdadeiramente desfrutam dos mesmos (Jo
3.16; 1Jo 2.2).
3. Que o homem não podia obter a fé salvadora de si
mesmo ou pela força de seu próprio livre-arbítrio, mas se encontrava carente da
graça de Deus, através de Cristo, para ser renovado no pensamento e na vontade
(Jo 15.5).
4. Que esta graça foi a causa do início,
desenvolvimento e conclusão da salvação do homem; de forma que ninguém poderia
crer nem perseverar na fé sem esta graça cooperante, e consequentemente que
todas as boas obras devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Quanto ao
modo de operação desta graça, no entanto, não é irresistível (At 7.51).
5. Que os verdadeiros crentes tinham força
suficiente através da graça divina para lutar contra Satanás, o pecado, o
mundo, sua própria carne, e obter vitória sobre eles; mas se por negligência
eles não poderiam apostatar da verdadeira fé, perder a alegria de uma boa
consciência e ser privado da graça necessária, deve ser mais plenamente
investigado de acordo com a Sagrada Escritura.[3]
Observe que os remonstrantes, como
Arminius anteriormente, não tomaram qualquer posição sobre a questão da
segurança eterna dos crentes. Ou seja, eles deixaram em aberto a questão se uma
pessoa verdadeiramente salva poderia cair da graça ou não. Eles também não
seguiram o padrão da TULIP. Embora o modelo de cinco pontos que descreve a
crença calvinista fora desenvolvido mais tarde, a negação dos três pontos
centrais é bastante clara na Remonstrância. No entanto, ao contrário da ideia
popular sobre o Arminianismo (especialmente entre os calvinistas), nem Armínio
nem os remonstrantes negaram a depravação total; eles a afirmaram. É claro que
a Remonstrância não é uma declaração completa da doutrina arminiana, mas ela
aborda bem a sua essência. Além do que ela diz, há um campo de interpretação
onde os arminianos às vezes discordam entre si. Todavia, existe um consenso
arminiano geral, e é isso o que este breve resumo irá explicar, recorrendo
amplamente ao teólogo nazareno Wiley, que recorreu amplamente a Armínio, Wesley
e os principais teólogos metodistas do século XIX mencionados anteriormente.
O Arminianismo ensina que todos os
seres humanos nascem moralmente e espiritualmente depravados e impotentes para
fazerem qualquer coisa boa ou digna aos olhos de Deus sem que haja uma infusão
especial da graça de Deus para superar os efeitos do pecado original. “Os
homens não apenas nascem debaixo da penalidade da morte como consequência do
pecado, mas eles também nascem com uma natureza depravada, que em contraste com
o aspecto legal da pena, é geralmente chamada de pecado inato ou depravação
herdada.”[4] O
Arminianismo clássico em geral concorda com a ortodoxia protestante que a
unidade da raça humana no pecado resulta em que todos nascem “filhos de ira”.
No entanto, os arminianos acreditam que a morte de Cristo na cruz fornece um
remédio universal para a culpa do pecado herdado, de modo que ele não é
imputado às crianças por causa de Cristo. É assim que os arminianos, de acordo
com os anabatistas, tais como os menonitas, interpretam as passagens universais
do Novo Testamento como Romanos 5, onde tudo é declarado estar incluído debaixo
do pecado assim como tudo é incluído na redenção através de Cristo. Esta é
também a interpretação arminiana de 1Tm 4.10, que indica duas salvações através
de Cristo: uma universal para todas as pessoas e uma especialmente para todos
os que creem. A crença arminiana na redenção geral não é a salvação universal;
é a redenção universal do pecado de Adão. Assim, na teologia arminiana todas as
crianças que morrem antes de atingirem a idade do despertar da consciência e
cometerem pecados atuais (em oposição ao pecado inato) são consideradas
inocentes por Deus e levadas ao paraíso. Entre aquelas que cometem pecados
atuais, apenas aquelas que se arrependem e creem têm Cristo como Salvador.
O Arminianismo considera o pecado
original primariamente como uma depravação moral que é resultado da privação da
imagem de Deus; esta é a perda do poder de evitar o pecado atual. “A depravação
é total, visto que ela afeta todo o ser do homem.”[5] Isso significa que todas as
pessoas nascem com inclinações alienadas, intelecto obscurecido e vontade
corrompida.[6] Há
tanto uma cura universal quanto um remédio mais específico para essa condição;
a morte expiatória de Cristo na cruz removeu a penalidade do pecado original e
liberou para a humanidade um novo impulso que começa a reverter a depravação
com que todos vêm ao mundo. Cristo é o novo Adão (Romanos 5) que é o novo
cabeça da raça; ele não veio apenas para salvar alguns, mas para fornecer um
novo começo para todos. Uma medida da graça preveniente se estende através de
Cristo a toda pessoa que nasce (João 1).
Dessa forma, a verdadeira posição
arminiana admite a completa penalidade do pecado, e consequentemente não
diminui a extrema pecaminosidade do pecado, nem deprecia a obra expiatória de
nosso Senhor Jesus Cristo. Faz assim, no entanto, não negando toda a força da
penalidade, como fazem os semipelagianos, mas magnificando a suficiência da
expiação, e a consequente transmissão da graça preveniente a todos os homens
através da autoridade do último Adão.[7]
A autoridade de Cristo é coextensiva
com a de Adão, mas as pessoas devem aceitar (através da não resistência) esta
graça de Cristo a fim de se beneficiar plenamente dela.
O homem é condenado unicamente por suas
próprias transgressões. A oferta gratuita removeu a condenação original e é
abundante para muitas ofensas. O homem torna-se responsável pela depravação de
seu próprio coração somente quando rejeita o remédio para ela, e
conscientemente ratifica-a como sua própria, com todas as suas consequências
penais.[8]
A depravação herdada inclui o cativeiro
da vontade ao pecado, que só é superado pela graça sobrenatural, preveniente.
Esta graça começa a operar em todos mediante o sacrifício de Cristo (e o
Espírito Santo enviado ao mundo por Cristo), mas surge com poder especial
mediante a proclamação do evangelho. Wiley, seguindo Pope e outros teólogos
arminianos, chama a condição humana – por causa do pecado herdado – de “impotência
para o bem”, e rejeita qualquer possibilidade de bondade espiritual à parte da
graça especial de Cristo tendo a precedência.
Porque Deus é amor (Jo 3.16; 1Jo 4.8),
e não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento (1Tm
2.4; 2Pe 3.9), a morte expiatória de Cristo é universal; alguns de seus
benefícios são automaticamente estendidos a todos (por exemplo, a libertação da
condenação do pecado de Adão) e todos os seus benefícios são para todos que os
aceitarem (por exemplo, o perdão dos pecados atuais e a imputação da justiça).
A expiação é universal. Isto não quer
dizer que toda a humanidade se salvará incondicionalmente, mas apenas que a
oferta sacrificial de Cristo satisfez as pretensões da lei divina, de maneira
que tornou a salvação possível para todos. A redenção, portanto, é universal ou
geral no sentido de provisão, mas especial ou condicional na sua aplicação ao
indivíduo.[9]
No entanto, somente serão salvos
aqueles que são predestinados por Deus para a salvação eterna. Eles são os
eleitos. Quem está incluído nos eleitos? Todos aqueles que Deus anteviu que
aceitarão sua oferta de salvação através de Cristo pela não resistência à graça
que se estende a eles por meio da cruz e do evangelho. Assim, a predestinação é
condicional ao invés de incondicional; a presciência eletiva de Deus é causada
pela fé dos eleitos.
Em contraste com o Calvinismo acima
estudado, o Arminianismo sustenta que a predestinação é o propósito gracioso de
Deus de salvar da ruína completa toda a humanidade. Não é um ato arbitrário e
indiscriminado de Deus para garantir a salvação a um número especial de pessoas
e a ninguém mais. Inclui provisionalmente todos os homens e está condicionada
somente pela fé em Cristo.[10]
O Espírito Santo opera nos corações e
mentes de todas as pessoas até certo ponto, dá-lhes alguma consciência das
expectativas e provisão de Deus, e as chama ao arrependimento e à fé. Assim, “a
Palavra de Deus é, em certo sentido, universalmente pronunciada, mesmo quando
não registrada em uma linguagem escrita.” “Aqueles que ouvem a proclamação e
aceitam o chamado são conhecidos nas Escrituras como os eleitos.”[11] Os reprovados são aqueles que
resistem ao chamado de Deus.
Uma doutrina arminiana crucial é a
graça preveniente, na qual os calvinistas também acreditam, mas os arminianos a
interpretam diferentemente. A graça preveniente é simplesmente aquela graça de
Deus que convence, chama, ilumina e capacita, e que precede a conversão e torna
o arrependimento e a fé possíveis. Os calvinistas a interpretam como
irresistível e eficaz; a pessoa em quem ela opera irá crer e arrepender-se para
salvação. Os arminianos a interpretam como resistível; as pessoas são sempre
capazes de resistir à graça de Deus, como a Escritura chama a atenção (At
7.51). Mas sem a graça preveniente, elas inevitavelmente e inexoravelmente
resistirão à vontade de Deus por causa de sua escravidão ao pecado.
Quando falamos de “graça preveniente”
estamos pensando na que “precede”, que prepara a alma para a sua entrada no
estado inicial da salvação. É a graça preparatória do Espírito Santo exercida
para o homem enfraquecido pelo pecado. Pelo que se refere aos impotentes, é
tida como força capacitadora. É aquela manifestação da influência divina que
precede a vida de regeneração completa.[12]
Em um sentido, então, os arminianos,
como os calvinistas, creem que a regeneração precede a conversão; o
arrependimento e a fé são somente possíveis porque a velha natureza está sendo
dominada pelo Espírito de Deus. A pessoa que recebe a total intensidade da
graça preveniente (isto é, através da proclamação da Palavra e a chamada
interna correspondente de Deus) não mais está morta em delitos e pecados.
Entretanto, tal pessoa não está ainda completamente regenerada. A ponte entre a
regeneração parcial pela graça preveniente e a completa regeneração pelo
Espírito Santo é a conversão, que inclui arrependimento e fé. Estes se tornam
possíveis por dádiva de Deus, mas são livres respostas da parte do indivíduo.
“O Espírito opera com o concurso humano e por meio dele. Nesta cooperação,
contudo, dá-se sempre à graça divina preeminência especial.”[13]
A ênfase sobre a antecedência e
preeminência da graça forma o denominador comum entre o Arminianismo e o
Calvinismo. É o que torna o sinergismo arminiano “evangélico.” Os arminianos
levam extremamente a sério a ênfase neotestamentária na salvação como um dom da
graça que não pode ser merecido (Ef 2.8). Entretanto, as teologias arminianas e
calvinistas – como todos os sinergismos e monergismos – divergem sobre o papel
que os humanos desempenham na salvação. Como Wiley observa, a graça preveniente
não interfere na liberdade da vontade. Ela não dobra a vontade ou torna certa a
resposta da vontade. Ela somente capacita a vontade a fazer a escolha livre
para cooperar ou resistir à graça. Essa cooperação não contribui para a
salvação, como se Deus fizesse uma parte e os humanos fizessem outra parte.
Antes, a cooperação com a graça na teologia arminiana é simplesmente
não-resistência à graça. É meramente decidir permitir a graça fazer sua obra
renunciando a todas as tentativas de auto-justificação e auto-purificação e
admitindo que somente Cristo pode salvar. Todavia, Deus não toma esta decisão
pelo indivíduo; é uma decisão que os indivíduos, sob a pressão da graça
preveniente, devem tormar por si mesmos.
O Arminianismo sustenta que a salvação
é toda pela graça – todo movimento da alma em direção a Deus é iniciado pela
graça divina – mas os arminianos reconhecem também que a cooperação da vontade
humana é necessária, porque, em última análise, o agente livre decide se a
graça oferecida é aceita ou rejeitada.[14]
O Arminianismo clássico ensina que a
predestinação é simplesmente a determinação (decreto) de Deus para salvar
através de Cristo aqueles que livremente respondem à oferta de Deus da graça
livre pelo arrependimento do pecado e fé (confiança) em Cristo. Ela inclui a
presciência de Deus de quem responderá. Não inclui uma seleção de certas
pessoas para a salvação, muito menos para a condenação. Muitos arminianos fazem
uma distinção entre a eleição e a predestinação. A eleição é corporativa – Deus
determinou Cristo para ser o Salvador daquele grupo de pessoas que se
arrependem e creem (Ef 1); a predestinação é individual – a presciência de Deus
daqueles que se arrependerão e crerão (Rm 8.29). O Arminianismo clássico também
ensina que essas pessoas que respondem positivamente à graça de Deus pela não
resistência a ela (que envolve arrependimento e confiança em Cristo) são
nascidas de novo pelo Espírito de Deus (que é a regeneração completa),
perdoadas de todos os seus pecados e consideradas por Deus como justas por
causa da morte expiatória de Cristo por elas. Nada disto é baseado em qualquer
mérito humano; é um dom gratuito, não imposto, mas livremente recebido. “A
única base da justificação… é a obra propiciatória de Cristo recebida pela fé,”
e “o único ato de justificação, quando visto negativamente, é o perdão dos
pecados; quando visto positivamente, é a aceitação do crente como justo [por
Deus].”[15] A
única diferença significativa entre o Arminianismo clássico e o Calvinismo
nesta doutrina, então, é o papel do indivíduo em receber a graça da regeneração
e justificação. Como Wiley coloca, a salvação “é um trabalho feito nas almas
dos homens pela operação eficaz do Espírito Santo. O Espírito Santo exerce seu
poder regenerador apenas em certas condições, isto é, nas condições de
arrependimento e fé.”[16] Assim,
a salvação é condicional, não incondicional; os humanos exercem um papel e não
são passivos ou controlados por alguma força, interna ou externa.
É aqui onde muitos críticos monergistas
do Arminianismo apontam o dedo e declaram que a teologia arminiana é um sistema
de salvação pelas obras, ou pelo menos algo inferior à vigorosa doutrina de
Paulo da salvação como um dom gratuito. Se ele deve ser livremente aceito, eles
afirmam, é merecido. Pelo fato do ato de aceitação ser crucial, o que é
recebido não é um dom gratuito. Os arminianos simplesmente não conseguem
entender essa afirmação e sua acusação implícita. Como veremos em vários pontos
ao longo deste livro, os arminianos sempre têm afirmado enfaticamente que a
salvação é um dom gratuito; até mesmo o arrependimento e a fé são apenas causas
instrumentais da salvação e impossíveis à parte de uma operação interna da
graça! A única causa eficiente da salvação é a graça de Deus através de Jesus
Cristo e do Espírito Santo. A lógica do argumento de que um dom livremente
recebido (no sentido de que poderia ser rejeitado) não é um dom gratuito
surpreende a mente arminiana. Mas a principal razão para os arminianos
rejeitarem a noção calvinista da salvação monergística, em que Deus
incondicionalmente elege alguns para salvação e inclina suas vontades
irresistivelmente, é que ela ofende o caráter de Deus e a natureza de um
relacionamento pessoal. Se Deus salva incondicionalmente e irresistivelmente,
por que ele não salva a todos? Apelar para mistério neste ponto não satisfaz a
mente arminiana porque o caráter de Deus como amor se mostrando em misericórdia
está em jogo. Se os homens escolhidos por Deus não podem resistir a ter um
relacionamento correto com Deus, que tipo de relacionamento é esse? Pode uma
relação pessoal ser irresistível? Tais predestinados são realmente pessoas em
um relacionamento assim? Estas são questões fundamentais que motivam os
arminianos – como outros sinergistas – a questionarem toda forma de monergismo,
incluindo o Calvinismo rígido. A questão não é, mais enfaticamente, uma visão
humanista do livre-arbítrio autônomo, como se os arminianos fossem apaixonados
pelo livre arbítrio pela sua própria causa. Qualquer leitura imparcial de
Arminius, Wesley, ou qualquer outro arminiano clássico, irá revelar que este
não é o caso. Pelo contrário, a questão é o caráter de Deus e a natureza do
relacionamento pessoal.
Anteriormente eu observei que não
apenas a predestinação mas também a providência fornece um ponto de diferença
entre o Arminianismo e o Calvinismo. Em resumo, os arminianos creem na
soberania divina e na providência, mas as interpretam diferentemente dos
calvinistas rígidos. Os arminianos consideram que Deus se auto-limita em
relação à história humana. Portanto, muito do que acontece na história é
contrário à perfeita vontade antecedente de Deus. Os arminianos afirmam que
Deus está no comando da natureza e da história, mas negam que Deus
controla todo evento.
Os arminianos negam que Deus “esconde um rosto alegre” por trás dos horrores da
história. O diabo não é o “diabo de Deus”, ou mesmo um instrumento da
auto-glorificação providencial de Deus. A Queda não foi preordenada por Deus
para algum propósito secreto. Os arminianos clássicos acreditam que Deus
pré-conhece todas as coisas, incluindo todo evento mal, mas rejeitam qualquer
noção de que Deus provê “impulsos secretos” que controlam até as ações de
criaturas malignas (angélicas ou humanas).[17] O governo de Deus é abrangente,
mas porque Deus se limita para permitir a livre agência humana (por uma questão
de relacionamentos genuínos que não são manipulados ou controlados), esse
governo é exercido de modos diferentes. Tudo o que acontece é, pelo menos,
permitido por Deus, mas nem tudo que acontece é positivamente desejado ou mesmo
tornado certo por Deus. Assim, o sinergismo entra na doutrina arminiana da
providência bem como da predestinação. Deus pré-conhece mas não age sozinho na
história. A história é o produto de ambas as agências divina e humana. (Não
devemos esquecer as agências angélicas e demoníacas também!) O pecado
especialmente não é nem desejado nem governado por Deus, exceto no sentido que
Deus o permite e o limita. Mais importante, Deus não o predestina ou o torna
certo. Não é possível uma expressão breve melhor do entendimento arminiano da
providência do que a fornecida pelo teólogo reformado revisionista Adrio König:
Há lamentavelmente muitas coisas que
acontecem sobre a Terra que não são a vontade de Deus (Lc 7.30 e todo outro
pecado mencionado na Bíblia), que são contra a sua vontade, e que derivam do
incompreensível e sem sentido pecado no qual nascemos, no qual a maior parte
dos homens vivem, e no qual Israel persistiu, e contra o qual até os “mais
santos homens” (Heid. Cat. p. 114) lutavam todos os seus dias (Davi, Pedro).
Deus tem apenas um curso de ação para o pecado, e que é prover sua expiação,
por tê-lo totalmente crucificado e sepultado com Cristo. Tentar interpretar
todas estas coisas através do conceito de um plano de Deus cria dificuldades
intoleráveis e dá origem a mais exceções do que regularidades. Mas a mais
importante objeção é que a ideia de um plano é contra a mensagem da Bíblia,
visto que Deus mesmo se torna inacreditável se aquilo contra o qual ele lutou
com poder, e pelo qual eARMINIANISMO
Uma Breve Visão da Teologia Arminiana
Um dos mais prevalecentes mitos
difundidos por alguns calvinistas sobre o Arminianismo é que ele é o tipo de
teologia mais popular nos púlpitos e bancos evangélicos. Minha experiência
contradiz essa crença. Depende muito de como consideramos a teologia arminiana.
Os críticos calvinistas estariam corretos se o Arminianismo fosse o
Semipelagianismo. Mas ele não é, como espero mostrar. O evangelho pregado e a
doutrina da salvação ensinada na maioria dos púlpitos e tribunas evangélicos, e
crido na maioria dos assentos de igrejas evangélicas, não é o Arminianismo
clássico, mas o Semipelagianismo, se não um completo Pelagianismo. Qual é a
diferença? O teólogo H. Orton Wiley, da Igreja do Nazareno, corretamente define
o Semipelagianismo dizendo, “Ele sustentava que restou poder suficiente na
vontade depravada para dar o primeiro passo em direção à salvação, mas não o
suficiente para completá-la. Isso deve ser feito pela graça divina.”[1] Esta antiga heresia tem origem
nos ensinos dos assim chamados massilianos, liderados principalmente por João
Cassiano (m. 433 d.C), que tentou construir uma ponte entre o Pelagianismo, que
negava o pecado original, e Agostinho, que defendia a eleição incondicional
sobre o fundamento de que todos os descendentes de Adão nascem espiritualmente
mortos e culpados do pecado de Adão. Cassiano acreditava que as pessoas são
capazes de se voltarem para Deus mesmo à parte de qualquer infusão da graça
sobrenatural. Isto foi condenado pelo Segundo Concílio de Orange em 529 (sem
endossar a extrema doutrina agostiniana da predestinação).
O Semipelagianismo tornou-se a teologia
popular da Igreja Católica Romana nos séculos que antecederam a Reforma
Protestante. Ele foi completamente rejeitado por todos os reformadores, exceto
os assim chamados racionalistas ou antitrinitarianos, tais como Fausto Socinus.
Alguns calvinistas adotaram a prática de se referir a toda teologia que ficou
aquém do Calvinismo rígido (TULIP) como semipelagiana. Isto, no entanto, está
incorreto. Hoje em dia, o Semipelagianismo é a teologia padrão da maioria dos
cristãos evangélicos americanos.[2] Podemos comprovar isto na
popularidade de clichês como “Se você der um passo em direção a Deus, ele fará
o resto do caminho em direção a você,” e “Deus vota em você, Satanás
vota contra você, e você tem o voto decisivo,” juntamente com a negligência
quase total da depravação humana e da incapacidade nas questões espirituais.
O Arminianismo é quase totalmente
desconhecido, e menos ainda crido, no cristianismo evangélico popular. Um dos
propósitos deste livro é superar este déficit. Um mito predominante sobre o
Arminianismo é que a teologia arminiana é equivalente ao Semipelagianismo. Isto
será contestado no processo de refutação de vários outros mitos que tratam da
condição humana e da salvação. Isto é apenas uma antecipação do ponto de vista
arminiano que será mais para frente exposto.
Em primeiro lugar, é importante
compreender que o Arminianismo não tem uma doutrina ou ponto de vista
específico sobre tudo no Cristianismo. Não há nenhuma doutrina arminiana
especial das Escrituras. Os arminianos do coração – os arminianos evangélicos –
acreditam nas Escrituras e têm a mesma gama de opiniões sobre os seus detalhes
como os calvinistas. Alguns arminianos acreditam na inerrância bíblica e outros
não. Todos os arminianos evangélicos estão comprometidos com a
inspiração sobrenatural da Bíblia e sua autoridade sobre todos os assuntos de
fé e prática. Da mesma forma, não há uma eclesiologia ou escatologia arminiana
distintiva; os arminianos refletem o mesmo espectro de interpretações que os
outros cristãos. Um mito popular promovido por alguns calvinistas é que todos
os teólogos arminianos aceitam a teoria governamental da expiação e rejeitam a
teoria da substituição penal. Isso é simplesmente falso. Os arminianos
acreditam na Trindade, na divindade e humanidade de Jesus Cristo, na depravação
da humanidade devido à Queda primitiva, na salvação pela graça somente através
da fé somente, e em todas as outras crenças protestantes essenciais. A justificação
como justiça imputada é afirmada pelos arminianos clássicos seguindo o próprio
Arminius. As doutrinas distintivas do Arminianismo têm a ver com a soberania de
Deus sobre a história e a salvação; a providência e a predestinação são as duas
doutrinas chave onde os arminianos se separam dos calvinistas clássicos.
Não há melhor ponto de partida para
examinar as questões da providência e predestinação que a própria
Remonstrância. Ela é o documento fundamental do Arminianismo clássico (além dos
escritos de Arminius). A Remonstrância foi preparada por mais ou menos 43 (o
número exato é debatido) pastores e teólogos reformados holandeses após a morte
de Arminius em 1609. O documento foi apresentado em 1610 para uma conferência
de líderes da igreja e do estado em Gouda, Holanda, para explicar a doutrina
arminiana. Ele foca principalmente nas questões da salvação e especialmente a
predestinação. Várias versões da Remonstrância (da qual os remonstrantes
receberam o seu nome) existem. Iremos usar uma tradução para o inglês do
original em latim apresentada de forma um tanto condensada pelo estudioso
inglês do Arminianismo A. W. Harrison:
1. Que Deus, por um decreto eterno e imutável em
Cristo antes da fundação do mundo, determinou eleger, da raça caída e pecadora,
para a vida eterna, aqueles que, através de Sua graça, creem em Jesus Cristo e
perseveram na fé e obediência; e, ao contrário, resolveu rejeitar os não
convertidos e os descrentes para a condenação eterna (Jo 3.36).
2. Que, em consequência disto, Cristo, o Salvador
do mundo, morreu por todo e cada homem, de modo que Ele obteve, pela morte na
cruz, reconciliação e perdão pelo pecado por todos os homens; de tal maneira,
porém, que ninguém senão os fiéis verdadeiramente desfrutam dos mesmos (Jo
3.16; 1Jo 2.2).
3. Que o homem não podia obter a fé salvadora de si
mesmo ou pela força de seu próprio livre-arbítrio, mas se encontrava carente da
graça de Deus, através de Cristo, para ser renovado no pensamento e na vontade
(Jo 15.5).
4. Que esta graça foi a causa do início,
desenvolvimento e conclusão da salvação do homem; de forma que ninguém poderia
crer nem perseverar na fé sem esta graça cooperante, e consequentemente que
todas as boas obras devem ser atribuídas à graça de Deus em Cristo. Quanto ao
modo de operação desta graça, no entanto, não é irresistível (At 7.51).
5. Que os verdadeiros crentes tinham força
suficiente através da graça divina para lutar contra Satanás, o pecado, o
mundo, sua própria carne, e obter vitória sobre eles; mas se por negligência
eles não poderiam apostatar da verdadeira fé, perder a alegria de uma boa
consciência e ser privado da graça necessária, deve ser mais plenamente
investigado de acordo com a Sagrada Escritura.[3]
Observe que os remonstrantes, como
Arminius anteriormente, não tomaram qualquer posição sobre a questão da
segurança eterna dos crentes. Ou seja, eles deixaram em aberto a questão se uma
pessoa verdadeiramente salva poderia cair da graça ou não. Eles também não
seguiram o padrão da TULIP. Embora o modelo de cinco pontos que descreve a
crença calvinista fora desenvolvido mais tarde, a negação dos três pontos
centrais é bastante clara na Remonstrância. No entanto, ao contrário da ideia
popular sobre o Arminianismo (especialmente entre os calvinistas), nem Armínio
nem os remonstrantes negaram a depravação total; eles a afirmaram. É claro que
a Remonstrância não é uma declaração completa da doutrina arminiana, mas ela
aborda bem a sua essência. Além do que ela diz, há um campo de interpretação
onde os arminianos às vezes discordam entre si. Todavia, existe um consenso
arminiano geral, e é isso o que este breve resumo irá explicar, recorrendo
amplamente ao teólogo nazareno Wiley, que recorreu amplamente a Armínio, Wesley
e os principais teólogos metodistas do século XIX mencionados anteriormente.
O Arminianismo ensina que todos os
seres humanos nascem moralmente e espiritualmente depravados e impotentes para
fazerem qualquer coisa boa ou digna aos olhos de Deus sem que haja uma infusão
especial da graça de Deus para superar os efeitos do pecado original. “Os
homens não apenas nascem debaixo da penalidade da morte como consequência do
pecado, mas eles também nascem com uma natureza depravada, que em contraste com
o aspecto legal da pena, é geralmente chamada de pecado inato ou depravação
herdada.”[4] O
Arminianismo clássico em geral concorda com a ortodoxia protestante que a
unidade da raça humana no pecado resulta em que todos nascem “filhos de ira”.
No entanto, os arminianos acreditam que a morte de Cristo na cruz fornece um
remédio universal para a culpa do pecado herdado, de modo que ele não é
imputado às crianças por causa de Cristo. É assim que os arminianos, de acordo
com os anabatistas, tais como os menonitas, interpretam as passagens universais
do Novo Testamento como Romanos 5, onde tudo é declarado estar incluído debaixo
do pecado assim como tudo é incluído na redenção através de Cristo. Esta é
também a interpretação arminiana de 1Tm 4.10, que indica duas salvações através
de Cristo: uma universal para todas as pessoas e uma especialmente para todos
os que creem. A crença arminiana na redenção geral não é a salvação universal;
é a redenção universal do pecado de Adão. Assim, na teologia arminiana todas as
crianças que morrem antes de atingirem a idade do despertar da consciência e
cometerem pecados atuais (em oposição ao pecado inato) são consideradas
inocentes por Deus e levadas ao paraíso. Entre aquelas que cometem pecados
atuais, apenas aquelas que se arrependem e creem têm Cristo como Salvador.
O Arminianismo considera o pecado
original primariamente como uma depravação moral que é resultado da privação da
imagem de Deus; esta é a perda do poder de evitar o pecado atual. “A depravação
é total, visto que ela afeta todo o ser do homem.”[5] Isso significa que todas as
pessoas nascem com inclinações alienadas, intelecto obscurecido e vontade
corrompida.[6] Há
tanto uma cura universal quanto um remédio mais específico para essa condição;
a morte expiatória de Cristo na cruz removeu a penalidade do pecado original e
liberou para a humanidade um novo impulso que começa a reverter a depravação
com que todos vêm ao mundo. Cristo é o novo Adão (Romanos 5) que é o novo
cabeça da raça; ele não veio apenas para salvar alguns, mas para fornecer um
novo começo para todos. Uma medida da graça preveniente se estende através de
Cristo a toda pessoa que nasce (João 1).
Dessa forma, a verdadeira posição
arminiana admite a completa penalidade do pecado, e consequentemente não
diminui a extrema pecaminosidade do pecado, nem deprecia a obra expiatória de
nosso Senhor Jesus Cristo. Faz assim, no entanto, não negando toda a força da
penalidade, como fazem os semipelagianos, mas magnificando a suficiência da
expiação, e a consequente transmissão da graça preveniente a todos os homens
através da autoridade do último Adão.[7]
A autoridade de Cristo é coextensiva
com a de Adão, mas as pessoas devem aceitar (através da não resistência) esta
graça de Cristo a fim de se beneficiar plenamente dela.
O homem é condenado unicamente por suas
próprias transgressões. A oferta gratuita removeu a condenação original e é
abundante para muitas ofensas. O homem torna-se responsável pela depravação de
seu próprio coração somente quando rejeita o remédio para ela, e
conscientemente ratifica-a como sua própria, com todas as suas consequências
penais.[8]
A depravação herdada inclui o cativeiro
da vontade ao pecado, que só é superado pela graça sobrenatural, preveniente.
Esta graça começa a operar em todos mediante o sacrifício de Cristo (e o
Espírito Santo enviado ao mundo por Cristo), mas surge com poder especial
mediante a proclamação do evangelho. Wiley, seguindo Pope e outros teólogos
arminianos, chama a condição humana – por causa do pecado herdado – de “impotência
para o bem”, e rejeita qualquer possibilidade de bondade espiritual à parte da
graça especial de Cristo tendo a precedência.
Porque Deus é amor (Jo 3.16; 1Jo 4.8),
e não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento (1Tm
2.4; 2Pe 3.9), a morte expiatória de Cristo é universal; alguns de seus
benefícios são automaticamente estendidos a todos (por exemplo, a libertação da
condenação do pecado de Adão) e todos os seus benefícios são para todos que os
aceitarem (por exemplo, o perdão dos pecados atuais e a imputação da justiça).
A expiação é universal. Isto não quer
dizer que toda a humanidade se salvará incondicionalmente, mas apenas que a
oferta sacrificial de Cristo satisfez as pretensões da lei divina, de maneira
que tornou a salvação possível para todos. A redenção, portanto, é universal ou
geral no sentido de provisão, mas especial ou condicional na sua aplicação ao
indivíduo.[9]
No entanto, somente serão salvos
aqueles que são predestinados por Deus para a salvação eterna. Eles são os
eleitos. Quem está incluído nos eleitos? Todos aqueles que Deus anteviu que
aceitarão sua oferta de salvação através de Cristo pela não resistência à graça
que se estende a eles por meio da cruz e do evangelho. Assim, a predestinação é
condicional ao invés de incondicional; a presciência eletiva de Deus é causada
pela fé dos eleitos.
Em contraste com o Calvinismo acima
estudado, o Arminianismo sustenta que a predestinação é o propósito gracioso de
Deus de salvar da ruína completa toda a humanidade. Não é um ato arbitrário e
indiscriminado de Deus para garantir a salvação a um número especial de pessoas
e a ninguém mais. Inclui provisionalmente todos os homens e está condicionada
somente pela fé em Cristo.[10]
O Espírito Santo opera nos corações e
mentes de todas as pessoas até certo ponto, dá-lhes alguma consciência das
expectativas e provisão de Deus, e as chama ao arrependimento e à fé. Assim, “a
Palavra de Deus é, em certo sentido, universalmente pronunciada, mesmo quando
não registrada em uma linguagem escrita.” “Aqueles que ouvem a proclamação e
aceitam o chamado são conhecidos nas Escrituras como os eleitos.”[11] Os reprovados são aqueles que
resistem ao chamado de Deus.
Uma doutrina arminiana crucial é a
graça preveniente, na qual os calvinistas também acreditam, mas os arminianos a
interpretam diferentemente. A graça preveniente é simplesmente aquela graça de
Deus que convence, chama, ilumina e capacita, e que precede a conversão e torna
o arrependimento e a fé possíveis. Os calvinistas a interpretam como
irresistível e eficaz; a pessoa em quem ela opera irá crer e arrepender-se para
salvação. Os arminianos a interpretam como resistível; as pessoas são sempre
capazes de resistir à graça de Deus, como a Escritura chama a atenção (At
7.51). Mas sem a graça preveniente, elas inevitavelmente e inexoravelmente
resistirão à vontade de Deus por causa de sua escravidão ao pecado.
Quando falamos de “graça preveniente”
estamos pensando na que “precede”, que prepara a alma para a sua entrada no
estado inicial da salvação. É a graça preparatória do Espírito Santo exercida
para o homem enfraquecido pelo pecado. Pelo que se refere aos impotentes, é
tida como força capacitadora. É aquela manifestação da influência divina que
precede a vida de regeneração completa.[12]
Em um sentido, então, os arminianos,
como os calvinistas, creem que a regeneração precede a conversão; o
arrependimento e a fé são somente possíveis porque a velha natureza está sendo
dominada pelo Espírito de Deus. A pessoa que recebe a total intensidade da
graça preveniente (isto é, através da proclamação da Palavra e a chamada
interna correspondente de Deus) não mais está morta em delitos e pecados.
Entretanto, tal pessoa não está ainda completamente regenerada. A ponte entre a
regeneração parcial pela graça preveniente e a completa regeneração pelo
Espírito Santo é a conversão, que inclui arrependimento e fé. Estes se tornam
possíveis por dádiva de Deus, mas são livres respostas da parte do indivíduo.
“O Espírito opera com o concurso humano e por meio dele. Nesta cooperação,
contudo, dá-se sempre à graça divina preeminência especial.”[13]
A ênfase sobre a antecedência e
preeminência da graça forma o denominador comum entre o Arminianismo e o
Calvinismo. É o que torna o sinergismo arminiano “evangélico.” Os arminianos
levam extremamente a sério a ênfase neotestamentária na salvação como um dom da
graça que não pode ser merecido (Ef 2.8). Entretanto, as teologias arminianas e
calvinistas – como todos os sinergismos e monergismos – divergem sobre o papel
que os humanos desempenham na salvação. Como Wiley observa, a graça preveniente
não interfere na liberdade da vontade. Ela não dobra a vontade ou torna certa a
resposta da vontade. Ela somente capacita a vontade a fazer a escolha livre
para cooperar ou resistir à graça. Essa cooperação não contribui para a
salvação, como se Deus fizesse uma parte e os humanos fizessem outra parte.
Antes, a cooperação com a graça na teologia arminiana é simplesmente
não-resistência à graça. É meramente decidir permitir a graça fazer sua obra
renunciando a todas as tentativas de auto-justificação e auto-purificação e
admitindo que somente Cristo pode salvar. Todavia, Deus não toma esta decisão
pelo indivíduo; é uma decisão que os indivíduos, sob a pressão da graça
preveniente, devem tormar por si mesmos.
O Arminianismo sustenta que a salvação
é toda pela graça – todo movimento da alma em direção a Deus é iniciado pela
graça divina – mas os arminianos reconhecem também que a cooperação da vontade
humana é necessária, porque, em última análise, o agente livre decide se a
graça oferecida é aceita ou rejeitada.[14]
O Arminianismo clássico ensina que a
predestinação é simplesmente a determinação (decreto) de Deus para salvar
através de Cristo aqueles que livremente respondem à oferta de Deus da graça
livre pelo arrependimento do pecado e fé (confiança) em Cristo. Ela inclui a
presciência de Deus de quem responderá. Não inclui uma seleção de certas
pessoas para a salvação, muito menos para a condenação. Muitos arminianos fazem
uma distinção entre a eleição e a predestinação. A eleição é corporativa – Deus
determinou Cristo para ser o Salvador daquele grupo de pessoas que se
arrependem e creem (Ef 1); a predestinação é individual – a presciência de Deus
daqueles que se arrependerão e crerão (Rm 8.29). O Arminianismo clássico também
ensina que essas pessoas que respondem positivamente à graça de Deus pela não
resistência a ela (que envolve arrependimento e confiança em Cristo) são
nascidas de novo pelo Espírito de Deus (que é a regeneração completa),
perdoadas de todos os seus pecados e consideradas por Deus como justas por
causa da morte expiatória de Cristo por elas. Nada disto é baseado em qualquer
mérito humano; é um dom gratuito, não imposto, mas livremente recebido. “A
única base da justificação… é a obra propiciatória de Cristo recebida pela fé,”
e “o único ato de justificação, quando visto negativamente, é o perdão dos
pecados; quando visto positivamente, é a aceitação do crente como justo [por
Deus].”[15] A
única diferença significativa entre o Arminianismo clássico e o Calvinismo
nesta doutrina, então, é o papel do indivíduo em receber a graça da regeneração
e justificação. Como Wiley coloca, a salvação “é um trabalho feito nas almas
dos homens pela operação eficaz do Espírito Santo. O Espírito Santo exerce seu
poder regenerador apenas em certas condições, isto é, nas condições de
arrependimento e fé.”[16] Assim,
a salvação é condicional, não incondicional; os humanos exercem um papel e não
são passivos ou controlados por alguma força, interna ou externa.
É aqui onde muitos críticos monergistas
do Arminianismo apontam o dedo e declaram que a teologia arminiana é um sistema
de salvação pelas obras, ou pelo menos algo inferior à vigorosa doutrina de
Paulo da salvação como um dom gratuito. Se ele deve ser livremente aceito, eles
afirmam, é merecido. Pelo fato do ato de aceitação ser crucial, o que é
recebido não é um dom gratuito. Os arminianos simplesmente não conseguem
entender essa afirmação e sua acusação implícita. Como veremos em vários pontos
ao longo deste livro, os arminianos sempre têm afirmado enfaticamente que a
salvação é um dom gratuito; até mesmo o arrependimento e a fé são apenas causas
instrumentais da salvação e impossíveis à parte de uma operação interna da
graça! A única causa eficiente da salvação é a graça de Deus através de Jesus
Cristo e do Espírito Santo. A lógica do argumento de que um dom livremente
recebido (no sentido de que poderia ser rejeitado) não é um dom gratuito
surpreende a mente arminiana. Mas a principal razão para os arminianos
rejeitarem a noção calvinista da salvação monergística, em que Deus
incondicionalmente elege alguns para salvação e inclina suas vontades
irresistivelmente, é que ela ofende o caráter de Deus e a natureza de um
relacionamento pessoal. Se Deus salva incondicionalmente e irresistivelmente,
por que ele não salva a todos? Apelar para mistério neste ponto não satisfaz a
mente arminiana porque o caráter de Deus como amor se mostrando em misericórdia
está em jogo. Se os homens escolhidos por Deus não podem resistir a ter um
relacionamento correto com Deus, que tipo de relacionamento é esse? Pode uma
relação pessoal ser irresistível? Tais predestinados são realmente pessoas em
um relacionamento assim? Estas são questões fundamentais que motivam os
arminianos – como outros sinergistas – a questionarem toda forma de monergismo,
incluindo o Calvinismo rígido. A questão não é, mais enfaticamente, uma visão
humanista do livre-arbítrio autônomo, como se os arminianos fossem apaixonados
pelo livre arbítrio pela sua própria causa. Qualquer leitura imparcial de
Arminius, Wesley, ou qualquer outro arminiano clássico, irá revelar que este
não é o caso. Pelo contrário, a questão é o caráter de Deus e a natureza do
relacionamento pessoal.
Anteriormente eu observei que não
apenas a predestinação mas também a providência fornece um ponto de diferença
entre o Arminianismo e o Calvinismo. Em resumo, os arminianos creem na
soberania divina e na providência, mas as interpretam diferentemente dos
calvinistas rígidos. Os arminianos consideram que Deus se auto-limita em
relação à história humana. Portanto, muito do que acontece na história é
contrário à perfeita vontade antecedente de Deus. Os arminianos afirmam que
Deus está no comando da natureza e da história, mas negam que Deus
controla todo evento.
Os arminianos negam que Deus “esconde um rosto alegre” por trás dos horrores da
história. O diabo não é o “diabo de Deus”, ou mesmo um instrumento da
auto-glorificação providencial de Deus. A Queda não foi preordenada por Deus
para algum propósito secreto. Os arminianos clássicos acreditam que Deus
pré-conhece todas as coisas, incluindo todo evento mal, mas rejeitam qualquer
noção de que Deus provê “impulsos secretos” que controlam até as ações de
criaturas malignas (angélicas ou humanas).[17] O governo de Deus é abrangente,
mas porque Deus se limita para permitir a livre agência humana (por uma questão
de relacionamentos genuínos que não são manipulados ou controlados), esse
governo é exercido de modos diferentes. Tudo o que acontece é, pelo menos,
permitido por Deus, mas nem tudo que acontece é positivamente desejado ou mesmo
tornado certo por Deus. Assim, o sinergismo entra na doutrina arminiana da
providência bem como da predestinação. Deus pré-conhece mas não age sozinho na
história. A história é o produto de ambas as agências divina e humana. (Não
devemos esquecer as agências angélicas e demoníacas também!) O pecado
especialmente não é nem desejado nem governado por Deus, exceto no sentido que
Deus o permite e o limita. Mais importante, Deus não o predestina ou o torna
certo. Não é possível uma expressão breve melhor do entendimento arminiano da
providência do que a fornecida pelo teólogo reformado revisionista Adrio König:
Há lamentavelmente muitas coisas que
acontecem sobre a Terra que não são a vontade de Deus (Lc 7.30 e todo outro
pecado mencionado na Bíblia), que são contra a sua vontade, e que derivam do
incompreensível e sem sentido pecado no qual nascemos, no qual a maior parte
dos homens vivem, e no qual Israel persistiu, e contra o qual até os “mais
santos homens” (Heid. Cat. p. 114) lutavam todos os seus dias (Davi, Pedro).
Deus tem apenas um curso de ação para o pecado, e que é prover sua expiação,
por tê-lo totalmente crucificado e sepultado com Cristo. Tentar interpretar
todas estas coisas através do conceito de um plano de Deus cria dificuldades
intoleráveis e dá origem a mais exceções do que regularidades. Mas a mais
importante objeção é que a ideia de um plano é contra a mensagem da Bíblia,
visto que Deus mesmo se torna inacreditável se aquilo contra o qual ele lutou
com poder, e pelo qual ele sacrificou seu único Filho, foi, todavia, de alguma
forma parte integrante do seu conselho eterno. Então, é melhor partir da ideia
que Deus tinha um certo objetivo em mente (a aliança, ou o reino de Deus, ou a
nova Terra – que são a mesma coisa vista de diferentes ângulos) que ele irá
alcançar conosco, sem nós, ou mesmo contra nós.[18]
Por Roger E. Olson