A criança é capaz de compreender os ensinamentos bíblicos?
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Quando recebi a oferta para lecionar Língua Inglesa para crianças de 4 e 5 anos de idades, fiquei apavorada. Minha primeira reação foi negar o convite, visto que, em minha opinião, já seria um desafio ensinar a língua materna para grupos tão jovens, quanto mais difícil seria fazê-los aprender um outro idioma, mesmo que o exigido fosse apenas alguns vocábulos em inglês. Sob a promessa de que eu poderia desistir caso não me adaptasse, resolvi arriscar. O resultado foi uma via de mão dupla, visto que aprendi com eles à medida que os ensinava. Dos 50 vocábulos estipulados para o ensino-aprendizagem daquelas turmas, consegui ensinar 100 a mais. O interessante é que isso não se deu exclusivamente pela minha capacidade de lecionar, mas, em grande parte, pela capacidade das crianças em absorver os conteúdos. Ao invés de aprenderem somente os números, por exemplo, eles queriam fazer contas em inglês e, constantemente, me traziam perguntas de alguma frase ou vocábulo que viram nos jogos ou na internet. E, pasmem, geralmente, tenho que fazê-los ir mais devagar, porque senão entramos em conteúdo de séries posteriores.
Após essa estimulante experiência, já certa da capacidade cognitiva dos pequenos, passei a lecionar também para os grupos de dois e três anos de idade, e fico cada vez mais admirada com a tamanha capacidade que os pequeninos possuem em absorver e compreender os conteúdos. E não são ouvintes passivos, mas dialogam e até opinam o tempo todo. E, a partir de tais experiências, compartilho das afirmativas de muitos teóricos da educação sobre a capacidade de aprendizagem da criança, bem como cheguei à conclusão de que elas não apenas aprendem o estipulado conteúdo didático que lhes passamos, mas se soubemos nos comunicar em “sua língua”, elas são um poço sem fundo em relação ao desejo de saber, ou seja, a criança é, por natureza, sedenta de aprender.
No livro "Pescadores de crianças", no qual apoiarei grande parte dos meus argumentos a respeito do tema em questão, Charles Spurgeon, pregador inglês do século 19, conhecido como “príncipe dos pregadores”, pelo modo didático e prático como expunha a Palavra de Deus, corrobora com esse pensamento ao dizer que “uma criança não tem só que viver como nós, como também tem de crescer”, e, por isso, os pais se admiram do apetite que seus filhos mostram em fase de crescimento. Assim também, justifica Spurgeon, há essa necessidade natural na criança de ser mais bem alimentada, porque esse alimento serve não só para agora, mas para o seu crescimento (2003, p. 10).
Assim sendo, Spurgeon passa a tratar da importância e relevância da educação bíblica cristã para os pequeninos, dizendo que “as crianças na graça têm que crescer, aumentando a capacidade de saber, ser, fazer e sentir, para chegar a um maior poder recebido de Deus”, e, se não as alimentarmos como convém, matando sua fome de conhecimento de Deus, o citado autor nos alerta que “correm o risco de que sua fome seja satisfeita com erros, perversamente” (2003, p.10).
Em vista desse perigo, para Charles Spurgeon, a solução para evitarmos que nossas crianças sejam desencaminhadas por erros doutrinários é, usando a analogia do joio e do trigo, encher de trigo bom “a caneca da medida” do conhecimento dos pequeninos até transbordá-la, para que não haja espaço para outros enchê-la de joio. Ele afirma que “as crianças cristãs necessitam principalmente aprender a doutrina, o preceito e a vida do evangelho; precisam que a verdade do evangelho lhes seja ensinada com clareza e precisão” (2003, pp. 10, 9).
Esse pensamento nega a prática de algumas igrejas que, em dias de escolas bíblicas ou em cultos de doutrinas, desprezam a capacidade intelectual das crianças, “jogando-as” em alguma sala isolada para distraí-las com filmes, historinhas bíblicas infantilizadas, brincadeiras descontextualizadas ou dezenas de músicas para pularem ou dançarem, enquanto os adultos aprendem. Pelo contrário, é importante envolver a criança no ensino-aprendizagem da Palavra de Deus, em especial acerca do Evangelho, diferenciando da educação cristã dos adultos apenas no modo como lhes apresentam as verdades bíblicas.
Pedro, em sua primeira carta (2.20), aconselha os irmãos que, na condição de meninos recém-nascidos, desejassem novamente o “leite” racional para crescerem na fé. Já o apóstolo Paulo, em 1 Co 3.2, diz aos irmãos de Corinto que lhes deu “leite” porque não poderiam suportar uma “comida sólida”, isto é, mais forte, porque ainda não tinham maturidade espiritual. Em Hebreus 5. 13, o escritor diz que “quem precisa se alimentar de leite, ainda é criança...”. Em todos esses textos, observam-se duas coisas: o alimento do adulto e da criança são diferentes em substâncias e todos precisam se alimentar. No texto de Coríntios citado acima, o apóstolo Paulo não negligencia o ensinamento porque os crentes coríntios estavam numa fase de "crianças" espirituais, pelo contrário, ele escolheu outra abordagem para lhes certificar dos mandamentos do Senhor, algo mais raso, porém completo. Negar o alimento espiritual para as crianças com medo de matá-la na fé é algo irracional. A Palavra de Deus traz vida, porque ela é "viva e eficaz" (Hb 4.12). Spurgeon aconselha que, diferente de negligenciar o estudo bíblico aos pequeninos, “cumpre a nós tornar a doutrina simples”, isto é, acessível à compreensão deles (2003, p.10)
Jesus foi o mestre por excelência, de modo que, apesar de ensinar seus discípulos e outros que ainda não o seguiam, ele tinha ciência de que ambos estavam experimentando uma realidade nova. Ninguém nunca tivera em seu meio o Filho de Deus, o próprio Deus encarnado. Assim, ele utilizou uma abordagem pedagógica acessível a todos, levando os seus ouvintes a compreenderem as verdades espirituais por meio de parábolas. Ele as usava como ponte para que seus ouvintes pudessem, por meio do que conheciam, alcançar o que naquele momento ainda lhes era estranho.
Deus ordenou a Israel que os pais deveriam ensinar os seus preceitos às crianças, desde sua mais tenra idade (Dt 6.5-7). O sábio Salomão também defendeu a educação infantil, asseverando que esse é o meio dos pequeninos levarem o conhecimento para a vida adulta (Pv 22.6). Portanto, o problema a que devemos nos ater não é se a criança é capaz ou não de aprender os ensinamentos bíblicos, mas em como motivá-la a querer aprender. Como em qualquer contexto educacional, é preciso motivar o aluno para encorajá-lo a buscar o conhecimento. Segundo um artigo do site Brasil Escola, da autoria do professor Vicente Martins, ele advoga que:
"Primeiramente, a atitude de querer aprender. É preciso que a escola desenvolva, no aluno, o aprendizado dos verbos querer e aprender, de modo a motivar para conjugá-los assim: eu quero aprender. Tal comportamento exigirá do aluno, de logo, uma série de atitudes como interesse, motivação, atenção, compreensão, participação e expectativa de aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser pessoa". 2
Os discípulos de Jesus tinham a mesma mentalidade de muitas pessoas dos tempos hodiernos (atuais), de que lugar de criança é longe dos assuntos de adultos. Isso pode até ser verdade, mas, com certeza, não em relação aos ensinamentos bíblicos. A linguagem, talvez, não caiba aos nossos pequeninos, o que justifica conduzir esse ensino-aprendizagem em um local apropriado para eles e a faixa etária correspondente, todavia os assuntos bíblicos são de interesse geral.
Ouçamos, pois, com atenção, a advertência de Jesus aos seus discípulos que menosprezavam a capacidade cognitiva das crianças: “Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque delas é o reino dos céus” - Mt 19.14. E assim, diante das palavras do próprio Cristo, e de tantas experiências pedagógicas sobre a capacidade da criança absorver e interagir em relação aos conteúdos didáticos, podemos afirmar sem medo: Sim, elas são capazes de compreender as verdades contidas na Palavra de Deus e seguir os seus ensinamentos.
Se você desejar ver algumas ideias de como contextualizar os ensinamentos bíblicos/cristãos ao entendimento do pequeno aprendiz da Palavra de Deus, clique no link ao lado Ideias para aula infantil contextualizadas
BIBLIOGRAFIA
Bíblia Sagrada - versão Almeida Revista e Corrigida (ARC)
2MARTINS, Vicente. Como desenvolver a capacidade de aprender. Sobral, CE. Pedagogia.
SPURGEON, Charles C. Pescadores de crianças: Orientação prática para falar de Jesus às crianças. São Paulo: Shedd Publicações, 2003.
Professora Leila Castanha -Pedagoga
Graduada em Letras, Pedagogia, Bacharel em Teologia, pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura no contexto educacional, pós-graduanda em Teologia e Pensamento Religioso, pós-graduanda em Literatura Brasileira no Contexto da Literatura Universal .
Atua como professora de Língua Portuguesa, Língua Inglesa (anos iniciais do ensino fundamental) e Ensino Religioso, em São Paulo - SP
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